A Noite em que a noite não chegou..
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Um dia, mal acordou, a noite foi espreitar pela janela e reparou que já era quase noite."Estou atrasada!", pensou ela ao ver que o sol já tinha desaparecido,mas sentia-se muito preguiçosa. Gostava muito de estar ali, no quentinho dos lençóis... Contrariada, deu uma volta e outra volta, desenroscou-se, enroscou-se e pensou lá para consigo: "Estou farta!"Havia muitas noites desde o início dos tempos que a noite chegava à hora certa sem faltar um só dia. Olhando para seu antiquíssimo trabalho, metade feito de estrelas, metade de escuros trapos, a noite deixou-se ficar na cama toda satisfeita, com uma chávena de chá numa mão e um livro de histórias na outra.Quando perceberam que a noite não chegava, as pessoas, os bichos e plantas se puseram todos a gritar: "Venha a noite! ! É preciso fazer cair a noite!" Mas era tão alta a casa onde a noite morava que ninguém se atrevia sequer a tentar chegar lá acima.Foi então que apareceu um menino rabino que pediu "com licença..." a toda a gente e se pôs a trepar pelos últimos raios de sol. Num equilíbrio despachado, pôs um pé numa nuvem, outro num cometa e, em menos de nada, chegou junto da noite. De tão entretida com seu livro de histórias, a noite nem deu por nada. E mesmo que desse nem podia adivinhar. Não estava habituada a meninos e aos seus doces passos de algodão. De mansinho, o menino rabino pôs-se a fazer-lhe cócegas nos pés. A noite desatou a rir às gargalhadas. "Ah,Ah! Ah!- Ah, Ah, Ah!" Tanto se riu a noite que caiu da cama abaixo. E, caindo, passou por estrelas e luas e sóis. Todas as luzes se apagaram à sua passagem e um manto muito grande, negro, de cetim, foi cobrindo a pouco e pouco o mundo inteiro.
O menino rabino, do esforço que fez, ficou tão cansado e com tanto sono quem nem perdeu tempo. Deitou-se logo na cama da noite e, antes de adormecer, voltou-se para ela que lá em baixo já tomara conta do mundo inteiro e disse-lhe baixinho: "Adeus, noite... Até amanhã... Boa noite..."
(José Fanha - Porto- Campo das Letras 2001.)
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