Memória

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

[...] Eu mesmo vivo falando sobre a felicidade que mora nas lembranças e até acho que não está errado dizer que somos o que lembramos.
"Aquilo que a memória amou fica eterno", disse Adélia Prado, e eu não me canso de repetir... a memória é a presença da eternidade em mim, para que o passado volte sempre…Recordo de Santo Agostinho. Releio seu maravilhoso capítulo sobre a memória, Diz ele: Palácio maravilhoso, misteriosa, dentro da memória estão presentes os céus, a terra e o mar… E venho eu e desejo a todos o esquecimento… É que, por vezes, é preciso esquecer para poder lembrar…Por isso que Alberto Caeiro dizia que o que ele desejava era desaprender, para de novo, sentir o gosto bom de si mesmo.
Somos como um navio em que os detritos do mar vão se grudando, em meio ao muito navegar. De tempos em tempos é preciso que o casco seja raspado, para voltar de novo a deslizar suave pelas águas. Os detritos da memória depositam-se em nossos olhos, transformam-se numa nuvem leitosa, opaca, e nos tornamos cegos para o mundo a nossa volta. É preciso esquecer para poder ver com clareza, para que os olhos possam ver a beleza. Esquecer...! Ver com olhos de criança, sem memória. Sentir-se nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo…É isso que desejo para você e para mim. Recuperar o corpo sem memória da criança, para ver o mundo como se fosse a primeira vez…
(Rubem Alves)

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