O anjo

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Ele andava tristonho havia dias. Notei numa manhã em que não quis muita conversa. Apareceu na cozinha, como de costume, encarapitado sobre a geladeira. Os olhos tristes a me fitar.. Brincou com os ímãs da geladeira, trocou uns de lugar... Disse que precisava ir e, quando me virei, já tinha ido. Dia seguinte, mesma coisa, beijou-me a testa e se foi. Eu não quis perguntar o que havia acontecido, anjos nem sempre podem nos contar tudo. Eles têm seus segredos. Mas se tem uma coisa que parte o coração é ver anjo triste. Não combina.Nos conhecemos num dia em que ele surgiu no jardim, todo sem graça, perguntando se eu tinha linha e agulha. “A bainha da minha blusa…”, foi explicando. Peguei minha caixinha de costura e, enquanto lidava no remendo, perguntei se aquela roupa não estava muito grande. Logo ele, tão miúdo. Ele disse que gostava daquele jeito, assim o vento lhe fazia cócegas sob ela. Entendi. Vi seu sorriso e desde então ele sempre dá uma passadinha em casa, pela manhã. Vem conversar. Seu sorriso é uma janela de onde se vê o céu da boca, cheio de passarinhos. Ele já é tão de casa que nem preciso fazer sala para ele. Terça não o vi. Quarta-feira, e ele não veio também.Não sei se anjo já foi gente e, nesse caso, se ainda vai tornar a ser. Só sei que passei mais tempo na cozinha nesse dia. Esperando. Quinta e nada. Como se cuida de um anjo? Quem é sua mãe? Senti saudades, chamei... Sexta-feira chegou e fui trabalhar. Quando voltei, corri até a cozinha. Os ímãs desalinhados na geladeira e um girassol recém-colhido sobre a pia.Tudo em paz, então. Anjos também têm seu tempo de resolver as coisas. Foi quando ele surgiu por detrás de mim e, feito criança, Buuuuu! Já ia ralhar com ele, não gosto desses sustos. Mas ele abriu seu sorriso de céu e apontou para o bolso da calça. Dei água para o girassol e fui buscar a caixinha de costura. Quando ele se despede, espicho o olho na tentativa de flagrar como é que ele vai embora. Nunca dá certo.
(Silmara Franco)

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